segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

E viva a crise de consciência!

Antigamente eu acreditava que as coisas ou estavam certas ou erradas, que não existia nenhuma outra categoria além dessas duas, que era tudo preto no branco, mas com o passar do tempo comecei a perceber que entre o preto e o branco existe uma enorme área cinza.

Hoje penso que o certo (guardadas as proporções)é relativo. O certo pode ser certo só pra você, certo em uma determinada situação (em outras seria nada menos que errado), certo dependendo do contexto e até da sua capacidade de argumentação. Não acredito em certo absoluto, nem em errado por coerência. Acredito em valores.

Temos dentro de nós uma idéia do que é certo e o que é errado, nossos valores. Esses valores são a mistura de todos os conceitos passados a nós por nossos pais e educadores e o que dizem nossas entranhas (nosso coração pode até errar, mas nossas entranhas...nunca!) e na grande maioria das vezes é isso que vai te impedir (ou te impelir) em uma das duas direções.



É verdade que o ambiente influencia muito nas nossas escolhas, de acordo com um programa que vi no Discovery Channel (adoro documentários sobre comportamento humano) temos uma necessidade de conformação com o grupo, ou seja, temos a tendência de nos sentir parte de um. A pesquisa era basicamente o seguinte: eles colocavam uma pessoa numa sala cheia de atores e um dos atores (com um jaleco e óculos, pagando de cientista)  fazia uma pergunta (tosca, não era coisa pra divagar) e levantava uns cartões como opção de resposta (com letras), e o único carinha que não sabia da armação (o trouxa que era a cobaia) levantava o cartão com a resposta que ele achava que era a correta (que era mesmo obviamente a correta, as outras passavam bem longe, tipo, a gema do ovo é a) azul cobalto, b) xadrez de vermelho e verde ou c) amarela), enquanto os outros levantavam outras completamente diferente da dele, mas iguais entre si.
O carinha não acreditava, ele pedia pro cientista repetir a pergunta, aí olhava pro cartão dele, olhava pro dos outros...você podia praticamente ouvir o pobre se perguntando se podia vir fazer a pesquisa depois de fumar crack. As salas tinham sempre uma só cobaia e o restante das pessoas eram atores contratados Nas perguntas seguintes algumas cobaias, mais corajosas, continuavam a dar uma resposta diferente do grupo (com cara de ué, mas continuavam a dar a resposta que julgavam ser a correta) mas a maioria delas acabava sucumbindo à pressão, tipo, começando a duvidar da própria sanidade e seguindo o fluxo, levantando o cartão com a resposta igual ao dos outros. Sabe o que é mais engraçado? A grande maioria parecia mais confortável assim, pertencendo ao grupo mesmo sabendo que o que estavam dizendo não era o certo.



Enfim, o que eu queria dizer com essa longa viajada é que muitas vezes sabemos sim a diferença entre o certo e o errado, mas manipulamos a situação de forma que pareça que tivemos uma amnésia momentânea, e seja pra se encaixar num grupo (muitas vezes pensamos que se tá todo mundo fazendo talvez não esteja tão errado assim) ou pra benefício próprio, acabamos convencendo a nós mesmos que não estamos, de fato, quebrando nenhuma regra, no máximo envergando.


A clarividência só dá o ar de sua graça quando nossas peripécias são colocadas no modo narrativa. Quando alguém te pergunta por que anda fazendo essa ou aquela outra merda e as palavras soam como um soco no estômago, porque na sua cabeça a tal coisa nunca teve, cheiro, cor ou formato de merda, mas uma vez visto pelo ângulo apresentado por outra pessoa fica claro que nunca foi outra coisa, ou, quando vemos alguém sendo pego ou punido por ter angulado uma linha reta os exatos mesmos graus que nós mesmos.

A reação normal é: primeiro negar que o focinho de porco, seja de fato, focinho de porco, em seguida justificar sua confusão momentânea já que ele se parecia imensamente com uma tomada e finalmente (só os sensatos chegam ao estágio final), uma tremenda crise de conscîência, com direito à  autopunição seguido de uma severa auditoria no setor "valores e prioridades".

O arrependimento que persegue os íntegros depois de um episódio desses, tenha ele sido de fato "pego" ou não, é um como um rolo compressor. Deixam o ego e o orgulho da finura de um papel. Eles se martirizam, rasgam as roupas e fazem jejum de semanas...bom, dei uma floreada na história, na verdade ficam tristonhos e cabisbaixos e se queixam com os mais íntimos que jamais se imaginaram em tal situação. 

Nada como um belo revés pra nos lembrar que as regras não são feitas de borracha. Afinal, quem se decidir a angular uma linha reta, é melhor estar preparado pras consequências, que não é porque você não foi pego com a boca na botija que está livre delas, que tudo que vai, volta e geralmente bem no meio da sua testa.

Sim, passar por uma situação dessas é péssimo, dói, quebra, humilha mas a verdade é que não existe nada mais nobre que o arrependimento depois de agir de forma duvidosa.




Não se deixe iludir por seu orgulho. Somos todos corruptíveis então, viva a crise de consciência, pois pra sofrer desse mal é preciso admitir que errou e arrepender-se disso, ou seja, pra ter crise de consciência é preciso ter uma!